BRASÍLIA — Uma decisão da Justiça Federal de São Paulo, anunciada semana passada, reforça a garantia de cobertura do implante do chamado “ouvido biônico” por parte de planos de saúde — inclusive, dos gastos relacionados ao procedimento. Além disso, a decisão reforça que os planos são obrigados a realizar o implante coclear nos dois ouvidos, para pacientes surdos de todas as idades que têm indicação para o procedimento.
Os planos de saúde são obrigados a arcar com todos os custos para a realização do implante coclear, que pode ser indicado para deficientes auditivos que não conseguem ouvir com uso dos aparelhos tradicionais. Porém, apesar da regra da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) que obriga a cobertura, pacientes ainda precisam recorrer à Justiça para conseguir que o plano pague o procedimento, e reclamam que exames pré operatórios, manutenção do equipamento e tratamentos posteriores não são cobertos.
— Os convênios cobrem as consultas médicas, mas não as consultas com psicólogos e fonoaudiólogos. Cobrem os exames, a cirurgia, internação e aparelho. Depois, alguns cobrem terapia de reabilitação auditiva com fonoaudiólogas, mas não cobrem ativação, mapeamento, reposição de peças e manutenção. E nem todos os convênios pagam tranquilamente. Há os que simplesmente acham uma brecha no contrato e negam, até a pessoa entrar na Justiça. Outros cobrem apenas a cirurgia, mas não os honorários médicos. Já soube de convênios que se recusavam a pagar o próprio aparelho – afirmou Lakshimi Lobato, que recebeu implantes nos dois ouvidos depois de adulta e mantém um blog sobre o assunto (
http://desculpenaoouvi.laklobato.com/ ).
Segundo o procurador regional dos direitos do cidadão, Jefferson Aparecido Dias, que encaminhou a ação, a decisão pacifica o assunto perante à Justiça, e acaba com a possibilidade de serem feitas mudanças nas regras por meio de atos da ANS.
— A ação não é contra os planos e sim contra a ANS. O plano é obrigado a cumprir, e se não cumprir, cabe à ANS fiscalizar e punir — disse Dias.
Cirurgia também pelo SUS
Apesar de a decisão dizer respeito apenas à obrigação dos planos de saúde privados pagarem o custo do implante dos dois ouvidos e para qualquer idade, a decisão servirá também para embasar pedidos de cirurgia bilateral pelo SUS, que não realiza a cirurgia nos dois ouvidos. O procurador aconselha que os pacientes do SUS entrem na Justiça com base nessa decisão para conseguirem implante bilateral.
Outra mudança que a decisão traz é também determinar que os planos de saúde tenham de arcar com a manutenção do equipamento, o que ainda é nebuloso e preocupa os pacientes já operados, que reclamam da dificuldade em obter peças e fazer reparos nos equipamentos. Para o procurador, está implícito na nova norma que, se o plano de saúde é obrigado a custear a operação e o equipamento, terá de mantê-lo.
Segundo Sandra Giorgi Sant’Anna, mestre em ciências pela faculdade de medicina da USP e sócia da CER Fonoaudiologia, que atende pacientes implantados, a parte de fonoaudiologia não é coberta por muitos planos, e esse é uma parte do tratamento que deverá ser feita para o resto da vida do implantado. A manutenção dos equipamentos também não é coberta. O aparelho sai da garantia após três anos de instalado e as peças são muito caras. Sandra exemplifica que um fio custa cerca de R$ 600, um microfone sai por R$ 3 a R$ 5 mil. E caso seja preciso trocar a principal peça do implante, o processador, é preciso gastar cerca de R$ 20 mil.
— Manutenção do processador pelo convênio em nunca nem vi alguém tentar — diz Sandra.
Outros custos relacionados
Ricardo Bento, coordenador do centro de implante coclear do Hospital das Clínicas de São Paulo afirma que, apesar das normas para os planos, em alguns casos os pacientes têm de recorrer à Justiça para conseguir fazer a cirurgia. Mariana Candal, mãe de Joana, que hoje tem 1 ano e nove meses e foi bi-implantada aos sete meses, também conta que ouve muitos relatos de dificuldades de cobertura pelos planos. Para a operação de sua filha, que foi coberta pelo plano, ela teve de arcar com os custos de exames pré operatórios.
— A ressonância de mastóides não é procedimento obrigatório pela ANS, e aí começam as dificuldades. Nós tivemos que pagar, em 2011, mais de R$ 500 reais. Para muita gente o processo já fica inviável nesse ponto. Tudo é muito caro – afirmou. Segundo Mariana, alguns planos, principalmente os menores, costumam burocratizar o processo, com a solicitação de laudos para dar “uma canseira” em quem está solicitando.
A ANS confirma que a regra prevê que outros custos relacionados à cirurgia devem ser cobertos pelo plano, incluindo exames prévios e manutenção posterior. Segundo a agência, a decisão judicial não muda normativos internos que já trazem a obrigatoriedade.
Entretanto, segundo o procurador regional Jefferson Dias, a decisão exclui a possibilidade de que os planos de saúde possam recorrer da obrigação, o que dá mais garantia ao paciente de que terá direito à cobertura do procedimento. Além disso, a agência afirma que não vai recorrer da decisão na justiça. Caso tenha problemas com o plano de saúde, a agência indica que o paciente procure o Disque ANS (0800 701 9656), o Portal da ANS (
http://www.ans.gov.br/).