sexta-feira, 5 de junho de 2009

QUANDO A IDEOLOGIA DITA REGRAS EM SAÚDE PÚBLICA

Texto feito para o SULP
Sônia Maria Ramires de Almeida (Sô Ramires)


Ao ler a entrevista de Ferreira Gullar na Revista Época de 1º de junho de 2009 percebo semelhanças que aproximam as discussões sobre saúde pública em termos de deficiência, não somente mental.

"Ele afirmou no primeiro texto (Folha de S.Paulo - acessível somente a assinantes)que a campanha contra a internação de doentes mentais é uma forma de demagogia..."

..."diz Humberto Verona, presidente do Conselho Federal de Psicologia. "Algumas familias querem que a pessoa fique internada. É a ideia da instituição como depósito."
Gullar se ofende com comentários como esse, que ouve desde o final dos anos 80...
"Essas pessoas não sabem o que é conviver com esquizofrênicos, que muitas vezes ameaçam se matar ou matar alguém. Elas têm a audácia de fingir que amam mais a meus filhos do que eu".

Veja a íntegra da entrevista em:

http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI75200-15257,00-NINGUEM+AGUENTA+UMA+PESSOA+BR+DELIRANTE+DENTRO+DE+CASA.html
Outro texto muito esclarecedor:

CONTARDO CALLIGARIS

O custo de nossa fé na redenção
Se não fosse tão difícil internarmos indivíduos perigosos, Glauco e Raoni estariam conosco
GLAUCO MAL me conhecia, mas eu o conhecia bem: ele era presença familiar no meu café da manhã, a cada dia, há muitos anos. Dos personagens que ele inventou, em suas tiras na Folha, quais são meus preferidos? Gosto muito do silencioso Nojinsk, de Zé do Apocalipse e do Casal Neuras, mas Geraldão e Geraldinho são os que mais me tocam, talvez por serem retratos milagrosamente exatos da voracidade que é, hoje, um traço dominante, em todos nós, adultos e crianças. Por sorte, vou poder matar a saudade, pois os dois personagens ganharam coletâneas em livros (LPM e Companhia das Letras, respectivamente).O assassino confesso de Glauco e de seu filho Raoni é um jovem de 24 anos, que frequentava a Céu de Maria, igreja do Santo Daime fundada pelo próprio Glauco. O jovem é ou era dependente químico e sofre ou sofria de transtornos mentais graves; pelo que entendi, havia a esperança de que ele encontrasse, no ritual do daime, uma saída -da droga e da desordem de seus afetos e pensamentos. Isso não impediu que, na noite do assassinato, ele se confundisse com um profeta ou com o próprio Jesus Cristo.Às vezes, o convívio social proporcionado por uma igreja ajuda um drogado a abandonar sua dependência ou um louco a conter-se e a reencontrar algum equilíbrio mental. Essas "recuperações" são, de fato, precárias e incertas.Cuidado, não estou minimizando apenas o poder terapêutico do convívio religioso. Critico o otimismo que nos leva a acreditar na possibilidade de transformações definitivas -pelo encontro com um deus, pela prática de uma religião, pelo uso de psicofármacos ou pela psicoterapia.Esse otimismo é, provavelmente, um efeito da ideia cristã de que não existe um pecado que não possa ser esquecido e perdoado se o penitente for sincero. Na lista dos santos, muitos foram grandes pecadores, transfigurados irreversivelmente por uma iluminação ou pelo arrependimento. E o exemplo dos santos serve para afirmar que somos todos livres: suscetíveis de transformações radicais. A fé na possibilidade de cada um se regenerar é um traço central de nossa cultura porque parece ser uma condição da liberdade: nada do que somos hoje é definitivo, podemos mudar.Agora, se a redenção é sempre possível, a decisão de excluir e prender se torna, para nós, envergonhada e culpada. É quase inadmissível internar um indivíduo perigoso na intenção de proteger a sociedade dos atos que ele poderia cometer, pois, internando, negaríamos o mantra segundo o qual a conversão e a redenção do indivíduo são sempre possíveis ou, por que não, prováveis. Em outras palavras, é impossível sancionar a periculosidade de um indivíduo, pois precisamos acreditar que ele possa mudar (para melhor, é claro).Logo antes do Natal de 2009, em São Paulo, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, Henrique de Carvalho Pereira, 21, foi golpeado brutalmente com um taco de beisebol por alguém que desconhecia. Seu agressor, em abril de 2009, tinha quebrado uma vitrina da mesma livraria, também a tacadas. Confuso, delirante e ameaçador, tinha sido preso e logo liberado, como se diz, após a assinatura de termo circunstanciado. Ninguém soube, pôde ou quis transformar aquela prisão em internação. Reconhecer que o homem era obviamente perigoso seria privá-lo da liberdade de mudar, não é? Pois é, se alguém tivesse reconhecido, sem culpa e sem vergonha, que é preciso internar um delirante de taco na mão, Henrique de Carvalho Pereira, em vez de permanecer em coma, ainda estaria circulando entre as estantes da Livraria Cultura.Da mesma forma, o assassino de Glauco e Raoni deve ter dado mil sinais ameaçadores, que foram ouvidos por próximos, parentes, colegas e amigos. Segundo a polícia, há testemunhos que permitem afirmar que o assassinato foi premeditado, o que significa que, para alguém, a loucura do assassino não foi uma surpresa. Então, por que ninguém levou as ameaças a sério? Por que ninguém parou o assassino antes que matasse?Pois é, se alguém tivesse dito ou até gritado que aquele jovem confuso era perigoso, dificilmente ele teria sido escutado. Ao contrário, os alertas seriam malvistos: você está querendo o quê? Prender o cara só porque está estranho, sem lhe dar uma chance de ficar melhor? Por esse caminho, continuaremos contando e chorando as vítimas.ccalligari@uol.com.br



Tenho visto no campo da surdez e deficiência auditiva muitas discussões de leigos e especialistas em que se enfatizam soluções que podem beneficiar a alguns grupos como se fossem soluções universais para todos os surdos.

Um exemplo: quem nasceu surdo e se escolarizou usando libras tem necessidades diferentes de quem ficou surdo depois de oralizado e alfabetizado e usa implantes ou aparelhos auditivos e se comunica usando a língua portuguesa (leitura e escrita, leitura oro-facial).

E em textos de leis vemos o surdo ser tratado como um tipo único e padronizado de cidadão que necessita intérprete de libras quando não é assim. Ou no sentido contrário se coloca um aluno que usa libras numa classe de ouvintes, sem nenhuma preparação para isso tanto do aluno como do professor. Ouvimos relatos de pais e professores nesse sentido.

Temos insistido na diversidade da surdez, na variedade de soluções para integração e exercício da cidadania da pessoa deficiente auditiva.
Temos poucos dados estatísticos que nos indiquem quem usa exclusivamente libras, quem usa libras e português e quem usa a língua portuguesa com fluência, como a maioria dos surdos oralizados e os póslinguais.
Mas vemos estatísticas sendo exibidas para dar força a argumentos ideológicos e políticos para justificar determinadas reivindicações dos deficientes auditivos e surdos e ações do poder público.

População do alguma deficiência - Dados do censo IBGE 2000
Fonte:
http://www.bengalalegal.com/censos.php



Deficiência Auditiva:

- Incapaz de ouvir: 176.067
- Grande dificuldade permanente de ouvir: 860.889
- Alguma dificuldade permanente de ouvir: 4.713.854

TOTAL: 5.750.810

Quantas dessa pessoas nunca tiveram atendimento? Por descaso, pobreza, ignorância ou falta de intervenções públicas na área de saúde auditiva.


Agora diz o bom senso que o atendimento, tratamento, reabilitação, escolarização e outras medidas necessárias variam segundo o grau de surdez.

É necessário ensinar a língua brasileira de sinais (Libras) a toda a população brasileira como querem alguns?

É caso de fornecer prótese e implantes além de tratamento fonoaudiológico aos demais que podem se beneficiar com esses recursos?

Sem esquecer é claro que próteses e implantes requerem manutenção e treinamento para usá-los e que possuem equipamentos complementares de sonorização ambiente a serem instalados em ambientes públicos como escolas, bibliotecas, cinemas, teatros, igrejas...equipamentos já usados na Argentina e Chile e mais difundidos nos EUA, Austrália e Comunidade Européia.

E aqui no Brasil não ouvi falar de um ambiente sequer dotado desses recursos. E quando me dirigi às autoridades perguntando a respeito nunca obtive resposta.

Não sou contra o ensino e uso de libras, e não tenho conhecimento teórico ou prático para falar do assunto, o ensino de surdos tem uma tradição que não deve ser ignorada ou desprezada.

Minha única crítica é que muitos ao falar de surdos usam a expressão para falar dos surdos usuários de libras e outras línguas de sinais como se estes representassem a totalidade dos surdos, deixando de lado a nossa diversidade.

E voltando à reportagem que deu origem às minhas reflexões peço que todos os profissionais envolvidos na área de saúde e educação, aos legisladores e seus assessores técnicos e científicos que tentem trabalhar com o espectro mais amplo de informações possível. Sem repetir chavões teóricos ou ideológicos, não peço que renunciem a suas crenças pessoais mas que os critérios devem ser sempre amplamente discutidos.

Dizem que Nelson Rodrigues dizia: Toda unanimidade é burra.
Quando em saúde pública e educação certos clichês são encarados como postulados intocáveis e verdades eternas a frase soa como um alerta!

E sabem os cientistas que as "verdades" são provisórias, que o conhecimento é cumulativo e que portanto ninguém é dono da verdade.
Por isso a aplicação de "verdades indiscutíveis" pelos que praticam políticas públicas em saúde e educação pode vir a ser prejudicial e comprometer a vida de muitas pessoas.


Assim como questiono a existência de verdades indiscutíveis espero que tomem este texto como uma reflexão pessoal, passível de ideias contraditórias e discutíveis. E que se alguém quiser comentar ou argumentar contra o que foi dito tem o espaço dos comentários para fazê-lo.

3 comentários:

Cristina Ferber disse...

SÔnia, o que você escreveu é a mais pura verdade, prova disso é que o Manifesto dos Surdos Usuários da Lingua Portuguesa tem recebido cada vez mais adesões, mesmo com a pouca publicidade que temos. Tenho esperança que conquistemos o nosso espaço em pouco tempo, levando a informação da diversidade da surdez para muitas pessoas, derrubando tabus, preconceitos e acima de tudo, alcançando pequenas e grandes vitórias, sempre acreditando que juntos, somos mais fortes! Um abraço grande.

Anônimo disse...

Cris, fico feliz com sua concordância uma vez que temos sido companheiras, ao lado do Drauzio, batalhando para divulgar a nossa diversidade e as nossas necessidades.

Anônimo disse...

O anônimo sou eu SÔ.

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