quinta-feira, 23 de abril de 2009

Prezados leitores, há poucos dias percebi como o assunto referente à
inclusão ainda é um tabu para algumas pessoas. Então,
resolvi postar esse texto, que pela sua importância não
tive a coragem de suprimir nenhuma linha, e que, tem TUDO A VER com a
causa dos surdos. Boa leitura! Um abraço. Cristina Ferber.



CONCEPÇÃO DE INCLUSÃO


As referências usualmente feitas de inclusão no campo da
educação consideram as dimensões pedagógica e legal da prática
educacional. Sem dúvida, dois campos importantes quando se pretende
a efetivação destes ideais. No entanto, uma importante ampliação da
discussão sobre os caminhos das políticas públicas para a inclusão escolar seria a consideração do contexto em que se pretende uma sociedade inclusiva.

As instituições educacionais, organizadas para estabelecer modelos de relações sociais, reproduzem com eficiência a lógica das sociedades. Trata-se de um lugar legitimado socialmente onde se produzem e reproduzem relações de saber-poder, como já teorizado por Foucault (1987). Nestas, a lógica das classificações sempre foi necessária
para o estabelecimento da ordem e do progresso social. Daí pode advir a idéia de que a escola, como mais um equipamento de disciplinamento social, não foi concebida para ser inclusiva, mas para ser instrumento de seleção e capacitação dos “mais aptos” a uma boa conduta social.

A efetivação de uma educação inclusiva neste contexto secular não é tarefa fácil. Não menos desprovida de dificuldades é a tarefa de um Estado que intenta organizar uma política pública que, como tal, se empenha na busca de um caráter de universalidade, garantindo acesso a todos os seus cidadãos às políticas que lhes cabem por direito.

O campo da inclusão, entretanto, fundamenta-se na concepção de diferenças, algo da ordem da singularidade dos sujeitos que acessam esta mesma política. Como não torná-la, a cada passo, um novo instrumento de classificação, seleção, reduzindo os sujeitos a marcas mais ou menos identitárias de uma síndrome, deficiência ou doença mental?

Um possível recurso de que poderia se lançar mão neste sentido, seria o de uma lógica que oferecesse elementos de processualidade ao longo deste trajeto. Pelo simples fato de se tratar, não somente em discurso, mas na prática cotidiana, de uma rede de relações no trabalho educativo que estão instituídas há séculos e que se repetem como naturais e definitivas. É por dentro desta lógica que uma política macro quer se instaurar.
Uma nova concepção de educação e sociedade se faz por vontade pública e é essencial que o sistema educacional assuma essa vontade. Para operar as transformações nos modos de relação dentro da escola é, também, necessário que os profissionais envolvidos tomem para si a tarefa de pensar estas questões de forma reflexiva e coletiva.

Dito de outra forma, é necessário que todos os agentes institucionais percebam-se como gestores e técnicos da educação inclusiva.
Nesta perspectiva, é essencial que o exercício social e profissional destes
agentes esteja sustentado por uma rede de ações interdisciplinares, que se entrelacem no trabalho com as necessidades educacionais especiais dos alunos.


PROCESSO DE INCLUSÃO *

A investigação dos aspectos que necessitam evoluir na política
de educação especial requer que se situe como este processo vem
acontecendo efetivamente nas redes de ensino. Considerando que a
inclusão de crianças com necessidades educacionais especiais produz
impasses no cotidiano escolar que exigem um constante repensar das
práticas pedagógicas é importante a análise de alguns aspectos do
contexto atual da inclusão no país.

Os temas, delineados a partir de um mapeamento realizado em
diferentes espaços educacionais, representam uma síntese dos principais
aspectos percebidos como tensionadores do processo e emergiram da
análise das opiniões dos diferentes segmentos da comunidade escolar
envolvidos com a proposta de inclusão, as quais foram obtidas através de
observações, de entrevistas semi-estruturadas, de grupos de discussão,
bem como de diferentes experiências profissionais existentes.

Comunidade Escolar e a Política de Inclusão

A associação mais imediata e comum no ambiente escolar,
quando se trata de questionar posições acerca da política de educação
inclusiva, é a de mais um encargo que o sistema educacional impõe
aos professores. Mesmo sendo favoráveis à concepção contida na lei
e percebendo os benefícios que sua implementação traria a toda a
sociedade, o temor e as preocupações daí decorrentes são inevitáveis.
Algumas expressões como: “a inclusão é forçada” ou “é inclusão só de
fachada” sinalizam as dificuldades em lidar com o acesso de pessoas
com necessidades educacionais especiais no ensino regular.

As escolas, de modo geral, têm conhecimento da existência
das leis acerca da inclusão de pessoas com necessidades educacionais
especiais no ambiente escolar e da obrigatoriedade da garantia de vaga
para estas. As equipes diretivas respeitam e garantem a entrada destes
alunos, mostrando-se favoráveis à política de inclusão, mas apontam
alguns entraves pelo fato de não haver a sustentação necessária,
como por exemplo, a ausência de definições mais estruturais acerca da
educação especial e dos suportes necessários a sua implementação.

Não raro ouve-se nas escolas referências a alunos com necessidades educacionais especiais como “os alunos da inclusão”, o que sugere o questionamento sobre o modo como são percebidos diante dos demais alunos. “Tenho vinte e cinco alunos, dois de inclusão”, comenta um professor. Além da evidente concepção de uma educação voltada para a “normalidade”, tal idéia contrapõe-se à compreensão da inclusão, largamente defendida na bibliografia, como um processo que deve abranger todas as diferenças.

Outra evidência da fragilidade que ainda se encontra no
entendimento do processo inclusivo diz respeito aos critérios utilizados
na seleção e encaminhamento dos alunos com necessidades educacionais
especiais. É senso comum nas escolas que todo “aluno com condições
de aprendizagem formal” deve ser encaminhado para escola de ensino
regular. No caso, os educadores consideram as escolas cicladas como as
mais preparadas para receber estes alunos, já que o sistema por ciclos de
formação possibilita o convívio com as diferenças e com colegas de sua
idade. No entanto, ressaltam que algumas crianças e adolescentes não
possuem condições de freqüentar a escola regular comum e, em alguns
casos, nem a escola especial.

Existe ainda, uma certa resistência em pensar a transformação
do espaço da escola especial, pois muitos acreditam que sua estrutura
também é inclusiva, promotora de laço social e que somente nela seria
possível a permanência de algumas das pessoas com necessidades
educacionais especiais. Porém, neste aspecto se evidencia uma
contradição, enquanto a escola regular comum em cumprimento à
legislação deve receber todo e qualquer aluno, a escola especial ainda
mantém certos critérios de seleção, os quais permitem que não receba
alguns casos com quadros psíquicos graves e/ou deficiências múltiplas.
Este é um importante paradoxo verificado no atual panorama da política
de educação especial.

Outra ressalva bastante proferida pelos grupos escutados é de
que o processo da inclusão deve ser compartilhado com vários segmentos
sociais, não ficando apenas ao encargo da escola, ou do professor, como
pode se verificar nas seguintes expressões: “Sou a favor da inclusão,
mas não jogando tudo no professor”; “Acredito na inclusão, mas estou
decepcionada com esse ‘fazer de conta’ de que se está incluindo...”.

Neste sentido, torna-se especialmente relevante à participação
dos diferentes segmentos na implantação dos direitos assegurados em
lei para que os benefícios percebidos na política de inclusão educacional
possam ser efetivados. Não há dúvida de que incluir pessoas com
necessidades educacionais especiais na escola regular pressupõe uma
grande reforma no sistema educacional que implica na flexibilização ou
adequação do currículo, com modificação das formas de ensinar, avaliar,
trabalhar com grupos em sala de aula e a criação de estruturas físicas
facilitadoras do ingresso e circulação de todas as pessoas.

Em que pesem as inúmeras dificuldades presentes no cotidiano
das escolas, permanece uma expectativa entre educadores e gestores
escolares de que as transformações sociais alcancem a instituição
educativa. O que está em discussão é qual a compreensão que temos
da relação entre escola e sociedade. É pela educação que se transforma
a sociedade, ou a escola é mera reprodutora das estruturas da
sociedade?

A concepção que tem orientado as opiniões de muitos gestores
e educadores que atuam na perspectiva da educação inclusiva é de que
a escola é um dos espaços de ação de transformação. Uma compreensão
que aproxima a idéia de políticas de educação e políticas sociais amplas
que garantam a melhoria da qualidade de vida da população.
Consideradas essas questões, a educação inclusiva implica na
implementação de políticas públicas, na compreensão da inclusão como
processo que não se restringe à relação professor-aluno, mas que seja
concebido como um princípio de educação para todos e valorização das
diferenças, que envolve toda a comunidade escolar.

Os Educadores e a Educação Inclusiva

A posição da família do aluno com necessidades educacionais
especiais é apontada como um obstáculo do processo de inclusão
educacional, quando esta “dificulta a inclusão por não reconhecer as
possibilidades da criança”. Sabe-se que o nascimento de um filho com
deficiência traz uma série de impasses às relações familiares, seguidos
de sentimentos de frustração, culpa, negação do problema, entre tantos
outros. Os anos iniciais da criança abrangem o período de suas mais férteis aquisições, as quais podem ser prejudicadas se a família não tiver a ajuda necessária para reconhecer seu filho como um sujeito que apresenta diversas possibilidades. A escola, como o segundo espaço de socialização de uma criança, tem um papel fundamental na determinação do lugar que a mesma passará a ocupar junto à família e, por conseqüência, no seu processo de desenvolvimento.

Outro aspecto a ser considerado, especialmente nas escolas
públicas, é a situação de miséria econômica e carência social de algumas
famílias. Para estas, a escola é um dos poucos lugares de cuidado e
acompanhamento de suas crianças, quando não de sobrevivência direta,
pela possibilidade de alimentação e cuidados primários e, indireta, pela
viabilidade do afastamento dos adultos para o trabalho.

A formação dos professores também ganha destaque entre as
demandas mais emergentes para o aprofundamento do processo de
inclusão. Existe um consenso de que é imprescindível uma participação
mais qualificada dos educadores para o avanço desta importante
reforma educacional. O “despreparo dos professores” figura entre os
obstáculos mais citados para a educação inclusiva, o qual tem como
efeito o estranhamento do educador com aquele sujeito que não está
de acordo com “os padrões de ensino e aprendizagem” da escola.

Nessa mesma direção, a formação inicial dos educadores oferecida
no currículo dos cursos de licenciatura também é referido. Segundo os
entrevistados, os cursos de formação de professores pouco abordam sobre educação inclusiva e conhecimentos acerca das necessidades educacionais especiais dos alunos. “As principais dificuldades são de recursos humanos, pessoal preparado. (...) Todos precisam estar preparados, principalmente o professor em sala de aula, que muitas vezes não sabe como fazer.”

Assim, constata-se a necessidade de introduzir tanto modificações na
formação inicial dos educadores, quanto a formação continuada e
sistemática ao longo da carreira profissional dos professores e demais
profissionais da educação.

Além da formação profissional, muitos educadores ouvidos
apontam como obstáculos ao processo de inclusão o grande número
de crianças em sala e a falta de recursos para sustentação da prática
pedagógica. Consideram que classes com menor número de alunos
seriam mais acolhedoras e possibilitariam um trabalho mais cuidadoso.
Mencionam também a necessidade de em algumas situações específicas,
a constituição de turmas de alunos diferenciadas. “... há uma estrutura
que é de turma com 30 alunos... A escola regular precisaria ter turmas
menores”. Nessa direção, ainda, as escolas citam as salas de recursos,
os serviços de orientação educacional e o atendimento educacional
especializado como importantes dispositivos para propiciar a
escolarização.

Com relação à proposta pedagógica, cabe apontar a importância
das flexibilizações curriculares para viabilizar o processo de inclusão.
Para que possam ser facilitadoras, e não dificultadoras, as adequações
curriculares necessitam ser pensadas a partir do contexto grupal em
que se insere determinado aluno. Como afirma Filidoro (2001 p.112),
“as adaptações se referem a um contexto - e não me refiro à criança,
mas ao particular ponto de encontro que ocorre dentro da aula em
que convergem a criança, sua história, o professor, sua experiência, a
instituição escolar com suas regras, o plano curricular, as regulamentações estaduais, as expectativas dos pais, entre outros, - então não é possível pensar em adaptações gerais para crianças em geral. Como refere esta autora, as “adaptações” curriculares devem ser pensadas a partir de cada situação particular e não como propostas universais, válidas para qualquer contexto escolar. As adequações feitas por um determinado professor para um grupo específico de alunos só são válidas para esse grupo e para esse momento.

Na medida em que são pensadas a partir do contexto e não
apenas a partir de um determinado aluno, entende-se que todas as
crianças podem se beneficiar com a implantação de uma adequação
curricular, a qual funciona como instrumento para implementar uma
prática educativa para a diversidade. Pois, como acrescenta a autora
citada, as “adaptações curriculares” devem produzir modificações que
possam ser aproveitadas por todas as crianças de um grupo ou pela
maior parte delas.

Cabe salientar, ainda, que além de não serem generalizáveis,
as adequações curriculares devem responder a uma construção do
professor em interação com o coletivo de professores da escola e outros
profissionais que compõem a equipe interdisciplinar.
Um outro importante elemento assinalado pelas pessoas
escutadas nas escolas, quando se fala na inclusão de crianças com
necessidades educacionais especiais no ensino regular, é que as
escolas costumam fazer alusão a serviços de apoio especializados para
desenvolver um trabalho de qualidade. Dentre os especialistas, são
citados neurologistas, terapeutas ocupacionais, psicólogos, psiquiatras,
fonoaudiólogos, assistentes sociais, entre outros. Supõe-se que, por
trás desse pedido, está a idéia de que o aluno precisa suprir algumas
necessidades específicas que poderão ser atendidas por um, ou vários
especialistas, bem como que estes profissionais poderiam ajudar o
professor a descobrir os caminhos possíveis para facilitar a aprendizagem
do aluno. A falta de atendimento de saúde e assistência ao aluno com
necessidades educacionais especiais é apontada como um dificultador à
inclusão, mostrando a carência de articulação de uma rede de serviços,
fundamentais para inclusão educacional e para a qualidade de vida dos cidadãos.

É mister ressaltar que a menção a vários especialistas, muitas
vezes, costuma referir-se a um modelo historicamente constituído
como multidisciplinar, no qual adaptação ou inadaptação se constituem
como critérios que direcionam os diagnósticos. Nesta visão tradicional
de educação especial, multiplicam-se as intervenções supondo-se que
a adição sistemática de várias disciplinas contribuiria para completar o
“quadro da normalidade”, reforçando a idéia de que bastaria que cada
especialista fizesse a sua parte para que o aluno estivesse apto para ser
“integrado”.

Jerusalinsky (1998) chama atenção para as conseqüências deste
modelo de atendimento, visto que a fragmentação na forma de olhar e
se relacionar com uma criança tem conseqüências no modo como ela irá
constituir seu modo de ser. Esta fragmentação pode chegar ao limite de
impossibilitar sua constituição como sujeito. Esse mesmo autor aponta,
como imprescindível, o trabalho interdisciplinar para decidir sobre
as estratégias terapêuticas. No paradigma da interdisciplinariedade
não se trata de estímulo à prevalência do discurso de uma ou outra
especialidade, mas de articulá-Ios entre si. Páez (2001, p. 31) observa
que “este novo espaço discursivo, esta nova região teórica possibilita a
comunicação interdisciplinar e a produção de uma nova ordem do saber,
em que uma concepção acerca do sujeito é compartilhada por todas as disciplinas”.

A observação do tipo de relação atualmente percebida entre
especialidades das áreas de saúde e educação, mais diretamente
relacionadas ao processo de inclusão educacional, parece apontar para
um caminho bem diverso ao da interdisciplinariedade. Escola e saúde
aparecem como lugares que se excluem entre si, tanto nas políticas
de atendimento quanto na organização dos seus saberes específicos.
Os serviços de saúde não são percebidos como lugares que se somam
à escola, mas para os quais se encaminha alunos, evidenciando o
caráter dissociativo que se imprimiu às práticas do encaminhamento e
atestando a desresponsabilização de uma área em relação à outra que,
na maioria das vezes, sequer inclui o acompanhamento da escola ao
caso encaminhado.

A fragmentação dos saberes e disputa de territórios de poder
daí decorrentes apontam para uma lógica de especialismos que se afasta
da concepção de interdisciplinariedade insistentemente referida como
fundamental aos avanços deste campo de intervenção. Sabemos que o
sucesso de uma política inclusiva depende da qualidade de uma rede de
apoio que lhe dê sustentação e que as interações entre os profissionais
envolvidos, da educação, saúde e assistência, são fundamentais a um
processo de inclusão do sujeito na escola e na sociedade. Todos esses
dados apontam a necessidade de uma organização das políticas de
atendimento que contemple a atuação interdisciplinar, rompendo com
o viés de exclusão e fortalecendo o processo educacional.

A inexistência de uma equipe interdisciplinar é mencionada pelos
entrevistados, como um obstáculo para que se possibilite o trabalho dos
professores em sala de aula com a inclusão de alunos com necessidades
educacionais especiais. Nesse sentido, supõe que o professor além de ser
apoiado em sua prática pedagógica por uma equipe de profissionais,
também é parte atuante desta equipe interdisciplinar, pois é ele que
detém um “saber fazer” com relação à aprendizagem, que o habilita a
propor adequações, partindo de cada situação particular para favorecer
uma proposta inclusiva





Um comentário:

soramires disse...

Cris, muito boa a iniciativa de publicar este texto. São pontos importantes que convidam à reflexão num assunto muito em moda, muito falado mas pouco praticado de fato.

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