A minha entrada no mundo dos surdos e da surdez é uma história de dor, de perdas, de retrocessos, mas não é apenas isso: dela também têm feito parte descobertas, conquistas e lutas constantes, como na vida de todos, surdos e ouvintes, cegos ou não, deficientes motores ou não, deficientes mentais ou não, seres humanos, simplesmente. E digo, têm feito, não só por o processo ter começado há cerca de 5 anos, mas também porque a minha surdez é flutuante e tem sido progressiva.
Nunca estamos preparados para uma perda, ainda que ela seja mais ou menos previsível, muito menos quando ela surge do nada e traz por arrasto outras perdas, confrontando-nos com a nossa mortalidade, com os nossos limites, as nossas capacidades de luta, de persistência e de autoconhecimento.
O inicio da história é brutal, de uma brutalidade súbita e inexplicável, já que a primeira perda auditiva aconteceu de um dia para o outro, sem nada que o fizesse prever e ao fim de cerca de 40 anos como ouvinte; ironia do «destino», de ouvinte com «bom ouvido» para a música e para a aprendizagem de línguas estrangeiras! Adormeci como habitualmente, mas no dia seguinte, ao despertar, surgiu a perda auditiva à direita, acompanhada de síndrome vertiginosa. Algum tempo depois, iniciou-se a perda auditiva à esquerda, progressiva. Com a situação a persistir por alguns meses, a audição a diminuir, a percepção sonora da fala dificultada pelos ruídos constantes dentro dos ouvidos, o desequilíbrio na marcha a obrigar-me a recorrer a um braço amigo e a um esforço enorme para andar, melhor, para me arrastar aos ziguezagues, por entre corredores de hospitais na busca de uma explicação para o sucedido e de uma eventual cura, começou a tornar-se evidente para mim que «aquilo» não era provisório nem banal.
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