Pais e professores muitas vezes pedem que suas crianças prestem atenção – sejam “bons ouvintes”. Mas e se o cérebro deles não souber o ouvir?
Esse é o desafio para crianças com transtorno de processamento auditivo, uma síndrome pouco entendida que interfere na capacidade do cérebro de reconhecer e interpretar sons. Estima-se que de 2% a 5% das crianças tenham o transtorno, disse Gail D. Chermak, especialista em ciência da fala e da audição da Washington State University. Segundo ela, provavelmente muitos casos não foram diagnosticados ou receberam diagnósticos equivocados.
A síndrome ADP – problemas em prestar atenção e seguir instruções, baixo desempenho acadêmico, problemas de comportamento, leitura ruim e vocabulário pobre – muitas vezes é confundida com problemas de atenção ou até autismo.
Porém, agora o transtorno está recebendo alguma atenção, graças, em parte, à apresentadora americana Rosie O’Donnell e seu filho Blake, de 10 anos, que tem ADP.
No prefácio de um novo livro, “The Sound of Hope” (Ballantine), de Lois Kam Heymann, a patologista da fala e terapeuta auditiva que ajudou Blake – O’Donnell relata como soube que algo estava errado.
Tudo começou com um corte de cabelo antes que o filho entrasse na primeira série. Blake já estava trabalhando com uma terapeuta de comunicação devido a suas respostas vagas e outras dificuldades. Assim, quando ele pediu um “cortezinho” de cabelo, ela tentou ‘traduzir’ o significado do que ele queria dizer, e pediu ao cabeleireiro um corte de cabelo bem curto, como o do irmão. Mais tarde, no carro, Blake caiu no choro e O’Donnel tinha percebido o erro. Ao dizer ‘cortezinho’, Blake queria pedir ao cabeleireiro que não cortasse muito o cabelo. Ele queria só aparar as pontas.
“Parei no acostamento e o abracei”, disse O’Donnell. “Disse: Blake, me desculpe mesmo. Eu não te entendi. Vou fazer melhor da próxima vez”.
Esse foi o ponto de virada. A busca de O’Donnell para fazer melhor a levou a Heymann, que determinou que, embora Blake pudesse ouvir perfeitamente bem, ele tinha problemas em distinguir entre alguns sons. Para ele, palavra como “tangerina” e “tamborim”, “morto” e “gordo” poderiam soar da mesma forma.
“A criança ouve ‘Esse jovem está muito morto’ e sabem que não faz sentido”, disse Heymann. “Mas, enquanto eles tentam desvendar o porquê, o professor continua falando e eles ficam para trás. Esses sons estão sendo distorcidos ou mal interpretados, e isso afeta a forma como a criança aprende a fala e a linguagem”.
O cérebro de Blake tinha dificuldades para reter as palavras que ouvia, resultando num vocabulário limitado e problemas para ler e soletrar. A linguagem abstrata, metáforas, tudo isso é confuso e frustrante.
Crianças com problemas de processamento auditivo muitas vezes não conseguem filtrar outros sons. A voz do professor, uma cadeira raspando no chão e papel amassando, tudo isso é ouvido no mesmo nível. “A reação normal dos pais é ‘Por que você não ouve?’”, disse Heymann. “Eles escutam, mas não ouvem a coisa certa”.
A solução é muitas vezes uma abordagem compreensiva, na escola e em casa. Para moderar sons não desejados, pedaços de feltro podem ser colocados nas pernas de cadeiras e mesas. Os pais trabalham para simplificar a linguagem e evitar metáforas e referências abstratas.
A casa de O’Donnell parou com reuniões grandes e barulhentas que incomodavam Blake. Sessões duas vezes por semana focando em sons e palavras, usando rimas e gestos corporais, ajudaram o menino a recuperar o aprendizado que ele tinha perdido.
A ajuda dentro da sala de aula é essencial. Uma família em Westchester County, Nova York, que pediu para não ser identificada para proteger a privacidade do filho, se reuniu com os professores do menino e concordaram em fazer várias adaptações – incluindo que o professor usasse um pequeno microfone que direcionasse a voz de forma mais clara para um alto-falante na mesa do aluno, para que ele pudesse distinguir melhor a voz do professor de outros sons que competiam por sua atenção.
Ninguém sabe exatamente por que essas habilidades de processamento de audição não se desenvolvem de forma integral em todas as crianças, segundo o Instituto Nacional de Surdez e Outros Transtornos de Comunicação. Cientistas estão conduzindo estudos de imagens cerebrais para entender melhor a base neurológica da condição e descobrir se há diferentes formas do problema.
Aparentemente o transtorno tem pouca ou nenhuma relação com a inteligência. Blake tem um conhecimento enciclopédico de animais – uma vez, ele corrigiu a mãe por ter se referido a um puma como um leão da montanha. A criança de Westchester hoje é um jovem de 17 anos que frequenta o ensino médio e estar sendo recrutado pelas melhores universidades.
“Ele está indo muito bem em latim e aulas de ciência”, disse a mãe. “Eu me lembro que costumava sonhar com o dia em que ele fosse capaz de acordar um dia de manhã e dizer simplesmente ‘mamãe’”.
Nem toda criança se sai tão bem assim. Algumas crianças com ADP possuem outros problemas de desenvolvimento e sociais. Mas O’Donnell diz que o tratamento não envolve apenas notas melhores na escola.
“Isso seguramente afetou o mundo todo de Blake”, ela disse, em relação ao filho. “Não apenas o aprendizado.
O transtorno as tira da sociedade, das interações. Ver a diferença em quem ele é hoje, contra quem ele era dois anos atrás, e então contemplar o que poderia ter acontecido se não pudéssemos ter detectado o transtorno – acho que ele estaria perdido”.
© 2010 New York Times News Service
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Um comentário:
Como o corpo humano é complexo e uma falha no funcionamento pode causar problemas! Muito interessante o texto.
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